Neste inverno as Cataratas do Iguaçu estão quase irreconhecíveis. Em junho foi registrado um fluxo de água de apenas 20% do nível normal.
Cataratas do Iguaçu
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Apesar de tratar-se de um problema causado por efeitos regionais, tais como o desmatamento da mata ciliar ao longo do rio Iguaçu, a falta d’água nas cataratas simboliza um problema maior, que afeta sobretudo o Brasil. O pais está enfrentando uma situação considerada como a pior seca em 90 anos. Embora seja um problema complexo, causado por muitos fatores, especialistas destacam a importância de três fenômenos causadores: o efeito La Ninã, preponderante durante o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021, o desmatamento da Amazônia, e o aquecimento global.
As consequências desta crise hídrica sobre o cotidiano dos brasileiros estão ficando cada vez mais claras: os preços de alimentos – tais como arroz, feijão, laranja e café – estão subindo e o nível de água nos reservatórios das grandes usinas hidrelétricas não para de cair.
O Brasil possui uma vasta e complexa rede energética – o chamado SIN (Sistema Interligado Nacional) – que interliga a maior parte de seu enorme território e fornece energia a mais de 90% dos brasileiros. Da energia elétrica gerada, 56% vêm das grandes usinas hidrelétricas, que geram mais energia que todas as demais fontes combinadas. Dentro deste complexo hidrelétrico, o Subsistema Sudeste/Centro-Oeste é de especial importância. É um subsistema composto por 57 grandes usinas, a maioria delas localizadas na bacia hidrográfica do Rio Paraná. Esta bacia é composta pelo rio Paraná e seus afluentes, que se estende desde a região central do Brasil ao sul em direção à Argentina, e tem uma área de 820.000 km2. Não seria exagero afirmar que as usinas localizadas na bacia do rio Paraná representam o fundamento da matriz elétrica brasileira.
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o órgão federal responsável pela administração da rede elétrica e o despacho de usinas, vem publicando números alarmantes sobre a quantidade de água disponível nos reservatórios localizados na bacia hidrográfica do Paraná. Em junho, o volume de água disponível caiu para 29% da sua capacidade total. Não é a primeira vez que este subsistema enfrenta uma seca: tanto em 2001 como em 2014, o Brasil enfrentou uma situação semelhante. Em 2001 acabou resultando em racionamento de energia compulsória. Em 2014, foi possível evitar o racionamento, através do despacho extensivo de usinas térmicas caras (e poluentes). No entanto, esse despacho emergencial saiu muito caro, como se revelaria nos anos seguintes.
Tudo indica que a situação em 2021 é mais grave do que em 2001 ou 2014. A queda prevista para os meses de inverno pode fazer com que o subsistema centro-sudeste caia para menos de 10% até o final de novembro. A esse nível de água, pode ser inseguro operar as grandes usinas do Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, como alertaram recentemente dois diretores do ONS.
Evolução dos níveis de água em reservatórios hidrelétricos no Subsistema Sudeste/Centro-Oeste – 2001, 2014 vs. previsão para 2021
©ONS, Valor Econômico
A oscilação dos níveis de água entre a estação úmida e a estação seca do ano é perfeitamente normal. Ao longo do ano de 2001, os níveis caíram de forma acentuada, mas se recuperaram totalmente ao longo dos anos seguintes. No entanto, isto não aconteceu após a crise hídrica de 2014. Durante o período de 2014 e 2021, reservatórios no Sudeste não chegaram a ultrapassar os 50% da sua capacidade total. O gráfico abaixo mostra a evolução dos níveis de água para a usina hidrelétrica Emborcação, uma das maiores no Subsistema Sudeste/Centro-Oeste.
©ONS
Alarmado com os números recentes e com a perspectiva de uma crise energética impactando nas eleições presidenciais de 2022, o governo federal entrou em ação. No dia 28 de junho o ministro de Minas e Energia apareceu em rede nacional, reafirmando que o sistema energético nacional está seguro, apesar de circunstâncias extraordinárias. No entanto, falou da necessidade de ‘medidas de gerenciamento’ para o consumo de grande porte e encorajou todos os brasileiros de evitarem o desperdiço de energia elétrica. No dia seguinte, a ANEEL, a agência reguladora federal do setor elétrico, aprovou um ajuste de 56% da chamada bandeira vermelha patamar 2, a ser aplicado a partir do mês de julho. Através do sistema de bandeiras, as distribuidoras estão autorizadas a cobrar um valor extra que reflete o custo de geração de energia ao longo do ano. O ajuste da bandeira vermelha, aprovado no dia 29, resultará em um aumento do preço média de energia elétrica de aproximadamente 5%. E a ANEEL insinuou que poderá aplicar aumentos ainda maiores já a partir do mês de agosto.
Esses desdobramentos também têm despertado a atenção do Banco Central. Apesar do fraco crescimento econômico durante o 1º e o 2º trimestre, a inflação anualizada está em 8,06%, muito acima do ‘intervalo de tolerância, cujo teto fica em 5,25%. Cada aumento de 5% nos preços da eletricidade aumenta a inflação em aproximadamente 0,2%. Consequentemente, um novo aumento nos preços da energia elétrica poderá contribuir para um aumento adicional na taxa SELIC, que já sofreu três ajustes ao longo deste ano e atualmente está em 4,25%.
O governo federal espera poder conter a crise e recentemente estabeleceu um órgão específico – a CRGE (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética). Seu objetivo é facilitar a coordenação entre diferentes órgãos governamentais, implementar medidas de gestão de energia e evitar o racionamento.
Talvez, os brasileiros tenham sorte e consigam driblar esta crise. Talvez, em 2022, as chuvas sejam menos escassas que neste ano. No entanto, a verdade é que não há solução de curto prazo para este problema. Em uma entrevista recente, Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, disse que “para o setor elétrico caiu a ficha de que a gente deve considerar aquecimento global e mudanças climáticas dentro das nossas avaliações”. Essas análises podem levar a uma conclusão bastante óbvia – em vez de construir ainda mais usinas hidrelétricas, ampliando o “novo mercado de gás natural”, ou construindo mais uma usina nuclear, o país poderia considerar aproveitar um recurso abundante e extremamente confiável. Estamos falando da energia solar. Ela oferece excelente complementariedade, tanto à geração hidrelétrica, quanto à eólica e pode ser implantado mais rápido do que qualquer outra fonte de energia. Em um estudo recente, a BNEF estimou que a capacidade instalada da geração fotovoltaica poderá atingir os 124 GW até 2050. Isto representaria um aumento de dez vezes da base instalada atual. Está claro que para tal, outras fontes renováveis, especialmente a energia eólica, precisam crescer e que essa implantação maciça de energia solar também exigirá investimentos significativos no armazenamento de energia. No entanto, investir em energia solar fotovoltaica parece ser uma escolha natural para o Brasil – uma escolha que proporcionará energia barata, confiável e sustentável para todos os brasileiros.
Perspectivas para o portfólio de geração do Brasil em 2050
©BNEF, cited by ABSOLAR
Em retrospectiva, a crise de 2001 ajudou em modernizar o setor elétrico brasileiro. Desencadeou a privatização de empresas estatais ineficientes e criou condições para a inserção de novas fontes, tais como eólica e solar. Tomara que a crise de 2021 tenha um efeito positivo semelhante.