Dado o seu tamanho e a sua extensão geográfica, o Brasil se destaca como player de peso no setor energético. Seu consumo de energia elétrica supera os 500 TWh por ano, e além disto possui um extraordinário potencial solar e eólico e é um grande produtor de petróleo e gás. Sem dúvida alguma, este grande e complexo setor energético exige um planejamento detalhado e cuidadoso. Em intervalos regulares o governo publica documentos de planejamento detalhados, entre eles os chamados PDEs (O Plano Decenal de Expansão de Energia) e os PNEs (Plano Nacional de Energia). Em dezembro de 2020 o Ministério de Minas e Energia publicou o PNE 2050. Seu objetivo? Fornecer um “conjunto de estudos e diretrizes para a concepção de uma estratégia de longo prazo para o setor energético brasileiro. Antes de ir afundo com o PNE 2050, vamos revisar um dos documentos anteriores – o PDE 2021, publicado no final de 2012. Esse documento apresenta uma perspectiva um tanto otimista sobre demanda de energia, estimando que o Brasil alcançaria um consumo anual de energia elétrica de 656 TWh em 2021. Também ficou previsto que a maior parte da capacidade adicional necessária para atender este aumento de demanda seria atendido pela expansão da geração hidroelétrica, biomassa e gás natural. Em relação à geração fotovoltaica os autores na época constataram: ‘Apesar do grande potencial, os custos atuais desta tecnologia são muito altos e não permitem seu uso em massa’. Ou seja: não foi considerada como muito relevante.
Acontece que estas previsões dos autores do PDE 2021 não se materializaram. Mesmo antes do surto da pandemia COVID, a demanda de energia estava estagnada em 482 TWh por ano, e por tanto ficou longe da previsão dos 621 TWh prognosticados. Quanto à geração hidrelétrica, a maioria dos projetos que se cogitaram não foram concretizados. E a energia solar que tanto fora menosprezada, saiu do zero em 2012 para atingir 12,5 GW em meados de 2021.
Os autores do PNE 2050 esforçaram-se para proporcionar uma visão holística do setor energético brasileiro. Sobre o consumo de energia, o documento apresenta, mais uma vez, um cenário de crescimento extremamente otimista – até 3,1% ao ano durante um prazo de 30 anos. No entanto, os autores também reconhecem a possibilidade de um cenário de “estagnação”, extrapolando a dinâmica de consumo dos últimos anos. O documento prossegue para analisar as ‘questões transversais’, que é como se descrevem a descarbonização, descentralização e a transição energética, entre outros. O plano também fornece análises detalhadas para as diferentes fontes de energia, incluindo a solar fotovoltaica, e dedica um capítulo às chamadas “fontes de energia distribuídas” também chegando a tocar no assunto de armazenamento de energia.
Em relação à futura matriz energética do Brasil, os autores apresentam uma enxurrada de diferentes cenários – estagnação econômica, matriz 100% renovável, cenário com mudanças climáticas, cenário levando em consideração repotencialização de usinas hidrelétricas, etc.. Porém, os leitores que procuravam uma diretriz clara, ou pelo menos um roteiro do setor de energia e terminaram as 243 páginas do documento principal e as 78 páginas do anexo numérico com certeza acabaram estupefatos com sua falta. No entanto, quem estiver à procura de um extenso relatório sobre as complexidades e os desafios do setor energético brasileiro vai achar a leitura até bastante gratificante.
Talvez eu teria ficado mais feliz em encontrar um roteiro entre os inúmeros cenários, algo que poderia servir como uma indicação de futuras políticas públicas e de escolhas que o governo pretende fazer. E talvez se a questão de mais um ano enfrentando secas recordes e redução dos volumes de água em usinas hidrelétricas no Brasil tivesse sido abordada, com uma análise aprofundada sobre como lidar com o impacto das mudanças climáticas teria sido inclusa no documento eu chegaria a o apreciar. Mas ao terminar de ler, não pude deixar de lembrar de uma frase famosa do Mario Henrique Simonsen, ministro da Fazenda na década de 1970. Quando perguntado sobre o que ele achava do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, ele simplesmente respondeu: “Não leio ficção”.
Markus Vlasits escreveu este artigo originalmente em inglês para ser publicado no Blog da Solar Promotion.